A hora e a vez do figurante
No início dos anos 70 do século passado, ao entrevistar em Salvador o escritor Jorge Amado sobre seu processo de criação, ouvi dele o que aqui reproduzo de memória.
Disse-me que com frequência a história e os personagens que inventava escapavam ao seu controle. Simplesmente ganhavam independência. E a ele só restava cumprir suas vontades.
Na política como na literatura – por que não?
Lula e Jair Bolsonaro criaram enredos dramáticos para sustentar suas candidaturas a presidente.
Uma a do encarcerado de Curitiba, banido injustamente da vida pública por uma conspiração das elites, e que clama para ser julgado pelo povo em eleição livre.
A outra do ex-capitão disposto a pegar em armas para defender o povo de uma classe política corrupta, de um Estado incapaz de protegê-lo dos bandidos e de uma esquerda perigosa.
Um dos enredos poderá vingar ou não – o de Bolsonaro tem mais chances. Os ou dois poderão ceder o lugar a outro. Dependerá da vontade de quem sempre é tratado como mero figurante.
Em poucas ocasiões o figurante ocupa a boca do palco. Essa é uma. E de sua interpretação dependerá o desfecho da peça.*
(*) Blog do Ricardo Noblat